segunda-feira, 16 de abril de 2012

HTPC DE 16 A 20/04.

A utopia sufoca a educação de qualidade

"Se a diferença que mais impacta a qualidade de vida das pessoas é a de renda, e se a fonte principal de renda é o trabalho, então precisamos de um sistema educacional que coloque ricos e pobres em igualdade de condições para concorrer no mercado de trabalho"

Gustavo Ioschpe
A missão da boa escola é ensinar as disciplinas fundamentais aos alunos, e não tentar corrigir as desigualdades do Brasil


A missão da boa escola é ensinar as disciplinas fundamentais aos alunos, e não tentar corrigir as desigualdades do Brasil (Jonne Roriz/AE)
Um dos males que assolam nossa educação é a esperança vã de pensadores e legisladores de que uma escola que mal consegue ensinar o básico resolva todos os problemas sociais e éticos do país. Eles criaram um sistema com um currículo imenso, sistemas de livros didáticos em que o objetivo até das disciplinas científicas é formar um cidadão consciente e tolerante. Responsabilizaram a escola pela formação de condutas que vão desde a preservação do meio ambiente até os cuidados com a saúde; instituíram cotas raciais e forçaram as escolas a receber alunos com necessidades especiais. A agenda maximalista seria uma maneira de sanar desigualdades e corrigir injustiças. O Brasil deveria questionar essa agenda.


Primeira pergunta: nossas escolas conseguem dar conta desse recado? A resposta é, definitivamente, não. Estão aí todas as avaliações nacionais e internacionais mostrando que a única igualdade que nosso sistema educacional conseguiu atingir é ser igualmente péssimo. Copiamos o ponto final de programas adotados nos países europeus sem termos passado pelo desenvolvimento histórico que lhes dá sustentação.


Segunda pergunta: esse desejo expansionista faz bem ou mal ao nosso sistema educacional? Será um caso em que mirar no inatingível ajuda a ampliar o alcançável ou, pelo contrário, a sobrecarga faz com que a carroça se mova ainda mais devagar? Acredito que seja o último. Por várias razões. A primeira é simplesmente que essas demandas todas tornam impossível que o sistema tenha um foco. Perseguir todas as ideias que aparecem -- mesmo que sejam todas nobres e excelentes -- é um erro. Infelizmente, a maioria dos nossos intelectuais e legisladores não tem experiência administrativa, e acredita ser possível resolver qualquer problema criando uma lei. No confronto entre intenções e realidade, a última sempre vence. A segunda razão para preocupação é que, com uma agenda tão extensa e bicéfala -- formar o cidadão virtuoso e o aluno de raciocínio afiado e com conhecimentos sólidos --, sempre é possível dizer que uma parte não está sendo cumprida porque a prioridade é a outra: o aluno é analfabeto, mas solidário, entende? (Com a vantagem de que não há nenhum índice para medir solidariedade.) E, finalmente, porque quando as intenções ultrapassam a capacidade de execução do sistema o que ocorre é que o agente -- cada professor ou diretor -- vira um legislador, cabendo a ele o papel de decidir quais partes das inatingíveis demandas vai cumprir. Uma medida que deveria estimular a cidadania tem o efeito oposto: incentiva o desrespeito à lei, que é a base fundamental da vida em sociedade.


Terceira pergunta: mesmo que todas essas nobres intenções fossem exequíveis, sua execução cumpriria as aspirações de seus mentores, construindo um país menos desigual? Eu diria que não apenas não cumpriria esses objetivos como iria na direção oposta. Deixe-me dar um exemplo com essas novas matérias inseridas no currículo do ensino médio -- música, sociologia e filosofia. A lógica que norteou a decisão é que não seria justo que os alunos pobres fossem privados dos privilégios intelec-tuais de seus colegas ricos. O que não é justo, a meu ver, é que a adição dessas disciplinas torna ainda mais difícil para os pobres se equiparar aos alunos mais ricos nas matérias que realmente vão ser decisivas em sua vida. A desigualdade entre os dois grupos tende a aumentar. A triste realidade é que, por viverem em ambientes mais letrados e com pais mais instruídos, alunos de famílias ricas precisam de menos horas de instrução para se alfabetizar. É pouco provável que um aluno rico saia da 1ª série sem estar alfabetizado, enquanto é muito provável que o aluno pobre chegue ao 3º ano nessa condição. O aluno rico pode, portanto, se dar ao luxo de ter aula de música. Para nivelar o jogo, o aluno pobre deveria estar usando essas horas para se recuperar do atraso, especialmente nas habilidades basilares: português, matemática e ciências. É o domínio dessas habilidades que lhe será cobrado quando ingressar na vida profissional. Se esses pensadores querem a escola como niveladora de diferenças, se a diferença que mais impacta a qualidade de vida das pessoas é a de renda, e se a fonte principal de renda é o trabalho, então precisamos de um sistema educacional que coloque ricos e pobres em igualdade de condições para concorrer no mercado de trabalho. O que, por sua vez, presume uma educação desigual entre pobres e ricos, fazendo com que a escola dê aos primeiros as competências intelectuais que os últimos já trazem de casa. Estou argumentando baseado em uma lógica supostamente de esquerda (digo supostamente porque, nesse caso, é transparente que as boas intenções dos revolucionários de poltrona só aprofundam as desigualdades que eles pretendem diminuir).
O mercado de trabalho valoriza mais as habilidades cognitivas e emocionais não porque os nossos empregadores sejam mesquinhos, mas porque, em um mercado competitivo, precisam remunerar seus trabalhadores de acordo com sua produtividade. Essa é a lógica inquebrantável do sistema de livre-iniciativa. Não adianta pedir ao gerente de recursos humanos que seja “solidário” na hora da contratação e leve em conta que os candidatos à vaga vêm de origens sociais diferentes, porque, se o recrutador selecionar o funcionário menos competente, o mais certo é que em breve ambos estejam solidariamente no olho da rua. Não conheço nenhum estudo que demonstre o impacto de uma educação filosoficamente inclusiva sobre o bem-estar das pessoas. Mas há vários estudos empíricos sobre a desigualdade no Brasil. O que eles informam é assustador: o fator número 1 na explicação das desigualdades de renda é, de longe, a desigualdade educacional (disponíveis em twitter.com/gioschpe). Ao criarmos uma escola sobrecarregada com a missão de não apenas formar o brasileiro do futuro mas corrigir as desigualdades de 500 anos de história, nós nos asseguramos de que ela se tornará um fracasso. A escola não pode fracassar, pois é a alavanca de salvação do Brasil.


O tipo de escola pública que queremos é uma discussão em última instância política, e não técnica. É legítimo, embora estúpido, que a maioria dos brasileiros prefira uma educação que fracasse em ensinar a tabuada mas ensine bem a fazer um pagode. Acrescento apenas uma indispensável condição: que a população seja informada, de modo claro e honesto, sobre as consequências de suas escolhas. Quais as perdas e os ganhos de cada caminho. O que é, aí sim, antidemocrático e desonesto é criar a ilusão de que não precisamos fazer escolhas, de que podemos tudo e de que conseguiremos obter tudo ao mesmo tempo, agora. Infelizmente, é exatamente isso que vem sendo tentado. Nossas lideranças se valem do abissal desconhecimento da maioria da população sobre o que é uma educação de excelência para vender-lhe a possibilidade do paraíso terreno em que professores despreparados podem formar o novo homem e o profissional de sucesso. Essa utopia, como todas as outras, acaba em decepção e atraso. Essa pretensa revolução, como todas as outras, termina beneficiando apenas os burocratas que a implementam.



Professores, o texto acima foi postado no site da revista Veja em 08 de abril, a partir da abordagem da reportagem dê seu ponto de vista sobre o assunto.
 
 
 
Obs: professor, ao terminar seu comentário, por favor coloque seu nome. Obrigado

8 comentários:

  1. Realmente estamos na contramão do tempo, eu fico possesivo quando em alguun programa de televisão um apresentador que eu acho que nunca frequentou a escola diz o seguinte " Mas naqueles paizes ditos do primeiro mundo a educação e assim".
    Primeiro tinhamos que partir do presuposto que nos somos latinos e temos a nossa cultura, no Brasil faz calor boa parte do anos queira ou não queira isso nos faz\um povo bem diferente dos que vivem em paizes que cai neve seis meses, tudo isso tinhamos que levar em consideração, tabem somos um pais de maioria católicos mais um tópico que não podemos deixar de fora para a nossa cultura escolar.

    Marcos Augusto

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  2. Dimas J.R. Faria
    O texto é muito feliz, quando coloca que hoje querem passar para a escola toda a responsabilidade na formação do aluno. Temos que nos preocuparmos com tudo. Sendo que esancontramos grandes dificuldades em passar um puoco do conteúdo que os nossos alunos vão precisar para se tornarem bons profissionais do futuro e por consequência ter um salário digno. Portanto, tudo isto é uma utopia.

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  3. Dimas J.R. Faria
    O texto é muito feliz, quando coloca que hoje querem passar para a escola toda a responsabilidade na formação do aluno. Temos que nos preocuparmos com tudo. Sendo que encontramos grandes dificuldades em passar um pouco do conteúdo que os nossos alunos vão precisar para se tornarem bons profissionais do futuro e por consequência ter um salário digno. Portanto, tudo isto é uma utopia.

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  4. Hoje o educador não só ensina em relações aos seus conteúdos de cada disciplina como reeduca a cada instante e momento durante suas aulas.NÓS somos instrumentos de informações por isso não devemos deixar passar o momento de fazermos um adentro. Ainda a postura nossa de professor é referência para aquele aluno se auto afirmar enquanto um ser humano critico. KÁTIA ARAÚJO

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  5. É um ótimo texto, reflexivo e muito instigante. Destaco principalmente a ideia de que para começar superar a desigualdade social, seja necessário "uma educação desigual, entre pobres e ricos, fazendo com que a escola dê aos primeiros as competências intelectuais que os últimos já trazem de casa".
    Antonio José Maia

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  6. Pois é, concordo plenamente com o autor. Ele faz uma reflexão filosófica, bem construída, erudita sobre algo que os professores já vem sentindo na pele (ou melhor.... na sala de aula). Implantam-se sistemas educacionais ao sabor do vento, colocando no colo dos professores e eles que se virem. Vem a mídia, que, aliás, pertencem aos donos do poder, os mesmos que inventam os sistemas educacionais. Os sistemas educacionais só interessam a esses para manutenção do status quo, isto é, a sua perpetuação no poder. O resto é só discurso político. A mudança virá sim, quando a sociedade acordar e exigir essa tal de educação de essência, já a partir dos primeiros anos de escolarização. Para isso TODAS as instituições sociais devem participar orientando a sociedade a respeito, pois enquanto permanecer essa “distribuição” de benesses, o povo ficará tranqüilo em sua zona de conforto e a elite dominante, nadando de braçada.

    JOSE GONÇALVES DOS SANTOS

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  7. "Não se pode começar uma casa pelo telhado", já dizia um ditado popular. mas é isto que infelizmente estamos vendo em nosso dia-a-dia nas salas de aula.
    Propostas pedagógicas baseadas em sistemas educacionais de países desenvolvidos são implementadas a todo o instante, sem que os alunos estejam preparados para recebê-las cultural e cognitivamente.
    Muitos alunos, nem mesmo saem alfabetizados das séries iniciais do ciclo um, e já têm que encarar, exercícios que lhe requerem capacidades como leitura e compreensão de texto, capacidade de abstração e analogias, interpretação de infográficos, etc...
    Antes de se querer ensinar e cobrar os conteúdos avançados, e os relativos à cidadania, temos que fortalecer as bases da matemática, linguagens e ciências.
    Não devemos fundar as bases de nossa sociedade, com apenas maquiagem, aparências. Precisamos ter propostas sólidas, não imediatistas, que possam fornecer a nossos cidadãos, a capacidade de serem iguais, com acesso ao mesmo nível de informação e capacidade de serem aprovados nos vestibulares e outras avaliações externas.

    Prof. Valdemir

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  8. Artigos como esse que foi publicado na Veja, está virando um porre. isto é, no sentido original da palavra. As revistas e jornais que circulam em nosso país estão embriagadas de tantas e tantos comentários de ditos intelectuais de plantão. coisas do tipo Gilberto Dimenstein e muitos outros por aí a fora. Agora observe: que proposta eles tem? nenhuma. Que sugestões eles tem? nenhuma. Sabe por quê? Por que são eles mesmos patrocinados pelos governos e recebem rios de dinheiro para manter suas ONGS. A educação é um filão para esses crápulas. Eles criticam os teóricos alegando que somos todos utópicos; que a escola que queremos é inviável e etc e etc. Porém, inviáveis seriam tais comentários, que eles mesmos tecem, se não estivéssemos no Brasil e mais precisamente no Estado de São Paulo. Aqui tem situações privilegiadas para arrancar bos leitores e boas críticas da unesco. Aqui a educação vai mal e por isso mesmo vai bem para meus ataques ideológicos e oportunistas. É triste ver que cada vez mais surgem novos críticos e novos entusiastas da realidade descendo a lenha naqueles que por amor vislumbraram uma nova forma de educar: A de educar humanos. Principalmente a de "educar seres que PENSAM para que educados possam não pensar". Acho que é isso que eles querem.

    Marcos A.Vilas Boas

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